Possível
causa foi apontada por Ronnie Lessa em delação ainda não homologada pelo STJ.
A
Polícia Federal investiga se uma disputa por terra na Zona Oeste do Rio motivou
o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em março de 2018. Em delação
que ainda depende de validação do Superior Tribunal de Justiça, o ex-sargento
da PM Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos contra a parlamentar,
afirmou que a vítima virou alvo por defender a ocupação de terrenos por pessoas
de baixa renda e que o processo fosse acompanhamento por órgãos como o
Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio e o Núcleo de Terra e
Habitação, da Defensoria Pública do Rio. No entanto, o mandante do assassinato
apontado por Lessa buscava a regularização de um condomínio inteiro na região
de Jacarepaguá sem respeitar o critério de área de interesse social, ou seja, o
dono tinha renda superior à prevista em lei. O objetivo seria obter o título de
propriedade para especulação imobiliária.
Conforme
publicado pelo blog do colunista Lauro Jardim, no último domingo, a delação
premiada de Lessa foi para o STJ. Isso indica, como O GLOBO informou ontem, que
o nome citado pelo ex-PM tem foro por prerrogativa de função. Caberá ao
ministro Raul Araújo decidir se aceita ou não o acordo de colaboração.
A
regularização fundiária já tinha surgido na investigação da morte de Marielle e
do motorista Anderson Gomes ainda em 2018.
As
negociações da PF com Lessa tiveram início logo após os agentes federais
assumirem o caso, em fevereiro do ano passado. Logo que o presidente Lula foi
eleito, ele pediu ao então ministro da Justiça Flávio Dino que tentasse
esclarecer o crime contra a parlamentar e o motorista Anderson Gomes, ocorrido
em 14 de março de 2018. Com a proximidade de o crime completar seis anos, as
trativas aceleraram. Primeiro buscou-se levantar a resposta sobre o mando com o
também ex-policial militar Élcio de Queiroz, que atuou como motorista na
emboscada contra Marielle. Mas como a informação sobre o assassinato da
vereadora era compartimentada por Lessa, ou seja, ele não passava todos os
detalhes para quem agia com ele nos crimes, Élcio citou apenas o nome de
Domingos Brazão, sem muitos detalhes.
Sem
evidências suficientes, os agentes federais do Grupo Especial de Investigações
Sensíveis (Gise) — grupo especializado na elucidação de casos complexos —
dependiam exclusivamente de Lessa para chegar à pessoa que mandou matar a
parlamentar. No fim do ano passado, logo após o ex-PM aceitar a colaborar com o
caso Marielle, o STJ realizou duas sessões secretas para confirmar qual seria o
foro das tratativas iniciais do acordo de delação premiada de Lessa.
Nas
sessões secretas, foi discutida se a negociação da delação deveria tramitar sob
os cuidados do Ministério Público Federal (MPF) ou do Ministério Público do Rio
(MPRJ). Em virtude de o caso ser sigiloso, as sessões foram realizadas a portas
fechadas, sem a presença de público. Segundo ministros que participaram das
sessões, a conclusão final foi pela competência do MPF para acompanhar as
tratativas.
Embora
a delação coubesse ao MPF, coube ao Grupo de Atuação Especial no Combate ao
Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio acompanhar as
investigações, uma vez que são eles que conhecem com profundidade o processo
dos homicídios de Marielle e Anderson. Para que Lessa colaborasse, os agentes
da PF e procuradores da República ofereceram várias vantagens ao ex-PM para que
indicasse o mandante.
De
acordo com o artigo 473 do Código de Processo Penal, não se pode prometer a
absolvição ao delator. Como ele cometeu um homicídio, ou seja, um crime contra
a vida, considerado pela Constituição um bem maior, tal benefício não pode ser
oferecido. Cabe ao júri a decisão, por ser soberano. Essa cláusula tem que
estar, inclusive, presente na delação de Lessa. No julgamento dele no IV
Tribunal do Júri, que ainda não foi marcado, deverá ser perguntado aos jurados
se eles aceitam que o réu tenha benefícios de redução de pena. O júri decidirá
ao responder os quesitos na sala secreta. A Constituição prevê que crimes
hediondos não cabem fiança, anistia ou graça.
Entre
os benefícios oferecidos a Lessa estão a proteção integral à mulher e os dois
filhos, além do retorno dele para um presídio fluminense. O prazo para que
Lessa continue preso em uma penitenciária federal expira no dia 21 de março. No
último dia 17, o Sistema Penitenciário Federal (SPF) se manifestou desfavorável
à possibilidade de mandá-lo para uma prisão no Rio. No parecer, diretoria do
órgão se opõe a essa possibilidade “devido a sua rede de contatos pessoais,
intra e extramuros, além de sua experiência com a criminalidade em vertentes
diversificadas”. No documento, a diretoria do órgão, vinculado ao Ministério da
Justiça, cita seu “altíssimo grau de periculosidade”, com “potencial de
desestabilizar” o sistema prisional de seu estado de origem. O ex-sargento da
PM está preso atualmente na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato
Grosso. Já Élcio, está numa unidade federal em Brasília.
Dos
investigados por mandar matar a parlamentar, até o momento, apenas o
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão tem foro
privilegiado. Como Domingos Brazão é o único investigado com foro, ele disse ao
GLOBO que é inocente e afirmou que, se Lessa o apontou como mandante é porque
quer proteger alguém:
— Eu
venho sangrando na cruz há algum tempo com essa acusação. Pelo menos cinco
anos. Já fui investigado por todas as esferas: Polícia Civil, Ministério
Público e Polícia Federal. Ninguém conseguiu provar nada contra mim. Não
acredito que esses servidores estivessem dispostos a colocar suas carreiras em
jogo para me proteger. A investigação da morte da Marielle e do Anderson
prendeu vários milicianos e nenhum está ligado a mim, porque não me misturo a
essa gente — defendeu-se Brazão, afirmando ser inocente. O
conselheiro do TCE disse que, como "bom filho de português", sempre
foi muito trabalhador. Como perdeu o pai aos 18 anos, um pecuarista na área de
Jacarepaguá, Brazão, mesmo sendo o caçula dos seis irmãos, passou a proteger a
mãe e o restante da família. Ele contou que antes de entrar na política, sua
paixão, ele vendia carros e motos. Em seguida, virou empresário, dono de 18
postos de gasolina. Atualmente, só tem um estabelecimento desse tipo. O
investimento agora é em galpões em áreas de baixo valor para revenda para
grandes empresas com preços elevados.
Brazão
já foi deputado estadual com expectativa de presidir a Assembleia Legislativa,
mas disse que acabou assumindo uma vaga como conselheiro do TCE. Lembrou dos
seis anos de afastamento devido à Operação Quinto do Ouro, quando cinco
integrantes do tribunal foram presos e afastados dos cargos acusados de
corrupção.
Perguntado
sobre a possibilidade de Lessa tê-lo apontado como mandante, Brazão respondeu:
—
Lessa deve estar querendo proteger alguém.
Fonte:
O Globo.
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