Desfile aconteceu nesta
terça-feira, 10, mesmo dia em que foi derrubada a PEC sobre o voto impresso.
Em um momento de crise entre
os três Poderes, o plano do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de
participar de um desfile com veículos blindados das Forças Armadas na Esplanada
dos Ministérios é um movimento extremamente grave e deveria ter uma reação dos
setores democráticos, segundo ex-ministros da Defesa ouvidos pela BBC News
Brasil.
O desfile aconteceu nesta
terça (10/08), mesmo dia em que a Câmara dos Deputados vota, às 16h, a PEC
sobre o voto impresso, pela qual Bolsonaro tem feito campanha.
Segundo a Marinha, os
veículos blindados - incluindo tanques de guerra e lança-mísseis - vão desfilar
pela Esplanada dos Ministérios nesta terça e estacionar em frente ao Palácio do
Planalto.
Lá, Bolsonaro vai receber um
convite para observar a Operação Formosa, um treinamento militar da Marinha com
2,5 mil militares que será realizado na semana que vem.
Para ex-ministros da Defesa
ouvidos pela BBC News Brasil a entrega do convite com presença de tanques é uma
tentativa de demonstração de força do presidente.
'Ameaça de golpe'
O diplomata e ex-ministro da
Defesa Celso Amorim classificou o plano como "um absurdo total" e uma
"ameaça de golpe".
"Para entregar um
convite o comandante da Marinha pega o elevador (no Palácio do Planalto) e
entrega no 3º andar, acompanhado pelo ministro da Defesa. Não precisa de
blindado, nada disso", afirma o ex-ministro, que liderou a pasta da Defesa
entre 2011 e 2015, sob o governo da então presidente Dilma Rousseff.
"Em um momento em que o
presidente sofre pressões e tem constantemente falado coisas antidemocráticas,
a notícia de que ele vai participar de um evento com tanques de guerra na rua é
um absurdo total", afirma Amorim.
"Como comparação, no
direito internacional uma demonstração de força já é considerada um ato de guerra",
diz Amorim.
Bolsonaro participar de um
ato com tanques em Brasília em um momento de crise, diz Amorim, é uma
movimentação extremamente grave.
"No momento em que
vivemos, os gestos teriam que ser todos medidos para não escalar a crise, mas
Bolsonaro faz o contrário, faz uma 'demonstração de força' com tanques na rua.
Não permite outra leitura que não uma ameaça de golpe. É lamentável", diz
o ex-ministro.
Amorim diz que espera que o
evento não influencie na votação da PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados.
"Espero que a Câmara
reaja, não aprovando a proposta. Mas eu fico muito preocupado. Não é fácil os
deputados se comportarem de maneira autônoma com tanques do lado de fora",
afirma.
Falta de reação
Para o ex-ministro, um
evento como o desta terça não significa necessariamente que Bolsonaro tenha
maioria entre os militares para um eventual golpe, mas basta que os que não
concordam não reajam para que um golpe se concretize.
"Basta que as milícias
e a polícias se mobilizem para um golpe e o Exército e a Marinha não façam
nada. Pode ser que ele não tenha maioria, mas se a maioria não fizer nada...
", afirma Amorim. "Tenho citado muito aquela frase de Edmund Burke:
'para que o mal prevaleça, basta que os homens de bem não façam nada'."
O diplomata afirma ainda que
o evento desta terça se torna ainda mais grave diante do fato de que Clubes
Militares fizeram manifestações a favor do voto impresso em 2022.
"Os clubes podem pensar
o que quiserem, mas era preciso uma manifestação das Forças Armadas, dizendo
que militar não tem que se posicionar sobre esse tipo de coisa", afirma.
"Bolsonaro trata os
outros poderes como inimigos e as Forças Armadas como um monarca absoluto, ele
fala 'meu exército', e (ao não responder) eles estão aceitando esse
tratamento", diz Amorim. "Justo as nossas Forças Armadas, que sempre
procuraram dizer que são instituições de Estado, agora não estão falando
isso."
Efeito desastroso
Ministro da Defesa durante o
governo de Michel Temer, Raul Jungmann afirma que o efeito do desfile de blindados
será "desastroso", embora não acredite que ele vá interferir na
votação da PEC do voto impresso na Câmara.
"O efeito é desastroso,
porque se dá em um momento em que o presidente da República vem constrangendo e
ameaçando os outros Poderes, particularmente o Supremo Tribunal Federal. Isso
vai ser lido tanto internamente quanto externamente como uma demonstração de
força", diz Jungmann, que, no entanto, diz que tal demonstração será
"inócua".
"Não terá efeito
prático nenhum, muito pelo contrário, na votação (da PEC do voto impresso). É
inadequado, uma demonstração de força inócua, vazia e que só vai piorar a nossa
imagem externamente e agravar as tensões internamente", diz.
Para Jungmann, com o
desfile, Bolsonaro quer "criar a ilusão" de que tem as Forças Armadas
do seu lado. "(Mas) as Forças Armadas estão do lado da Constituição e de
forma alguma estão disponíveis a alguma aventura autoritária ou
antidemocrática", avalia.
O ex-ministro ressalta que a
Operação Formosa, evento para o qual o presidente será convidado durante o
desfile desta terça, é um treinamento que ocorre há bastante tempo, mas sempre
de forma fechada ao público.
Jungmann diz que o envio de
blindados para levar "um simples convite" ao presidente vai acabar
voltando mais atenção ao próprio exercício militar, que tem início no dia 16 de
agosto.
'Besteirol'
Já o ex-ministro da Defesa
Jaques Wagner (que ocupou o cargo em 2015 durante o governo Dilma) afirma que a
participação de Bolsonaro em um ato com tanques é uma tentativa de controlar o noticiário.
"Acho que a imprensa
deveria dar menos importância ao besteirol que esse senhor promove para se
manter no noticiário", afirmou Wagner, em nota.
"É ridículo o que ele
está fazendo. Deveria virar chacota. Na minha opinião, é melhor
ignorá-lo", disse o ex-ministro.
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