Casos começaram a ser
registrados em fevereiro deste ano em São Paulo. A SSP informou que os casos
citados pela reportagem estão sob investigação no 95º Distrito Policial.
Nos últimos cinco meses, ao
menos 9 roubos e tentativas foram registrados em locais bem próximos ao
endereço onde o jovem Leonardo Rodrigues Nunes, de 24 anos, foi morto, na
região do Sacomã, Zona Sul de São Paulo. Ele foi ao local para encontrar um
rapaz que conheceu no aplicativo Hornet.
Em todos os nove casos, os
jovens também foram atraídos para a região após marcar encontros por meio de
aplicativos de relacionamento voltados para o público gay.
O g1 conversou com 8 pessoas
que foram roubadas ou sofreram tentativas de assalto na região (veja relatos
abaixo).
Eles conhecem o suposto
rapaz pelo Hornet ou Grindr
Após conversar por dias é
marcado um encontro na região do Sacomã
O suspeito se oferece para
pagar um carro de aplicativo até o local e acompanha a localização em tempo
real da vítima
Chegando ao local as vítimas
são abordadas por dois homens em uma moto que anunciam o assalto
Os criminosos levam
celulares e cartões
Uma vítima ouvida pelo g1
afirmou que os bandidos chegaram a atirar contra ela, mas conseguiu sair do local
e pedir ajuda para uma moradora
Outra vítima contou que foi
agredida pelos homens
Leonardo foi morto na Rua
Rolando. Os outros casos encontrados pela reportagem ocorreram nas ruas:
Rua São Damásio, 72
Rua Pupo Nogueira
Rua Amadeo Giannotti, 66
Rua Cosme de Souza, 269
Rua Rolando, 34
Rua Izonzo
Rua Japaratuba, 593
Os roubos foram registrados
nos últimos cinco meses, sendo um em fevereiro, quatro em março, um em abril, e
um em maio. Duas vítimas também sofreram tentativas de assalto em março e maio.
O g1 questionou a Secretaria
da Segurança Pública de São Paulo (SSP) se está sendo realizada uma
investigação conjunta dos casos. Em nota, a pasta afirmou que "os casos
citados pela reportagem, assim como outras ocorrências da mesma natureza
registradas na região estão sob investigação no 95º Distrito Policial
(Heliópolis), que instaurou um inquérito policial. A equipe da unidade trabalha
para prender os suspeitos já identificados".
A reportagem também procurou
o Ministério Público de São Paulo(MP-SP) para saber se os aplicativos citados
estão sendo investigados. O órgão informou que "vai verificar junto as
autoridades policiais se os aplicativos estão obstruindo informações para o
deslinde dos casos. Após, deliberamos sobre a atuação do GAESP, se é caso ou
não de instauração de inquérito".
'Vi ele atirando na minha
direção'
Morador de Santo André,
João*, de 24 anos, escapou por pouco de um assalto no mesmo endereço em que
Leonardo Rodrigues Nunes foi assassinado, próximo ao Sacomã. O episódio ocorreu
em 15 de maio.
Durante semanas, João
conversou com um rapaz com quem deu um match no aplicativo Hornet. Depois, eles
migraram para o WhatsApp. "Ele se mostrou uma pessoa muito humana,
mandando agenda, comentando o que ia fazer, mandava foto dele. Não me deu
brecha para desconfiança".
No dia do crime, a vítima
estava na faculdade na Zona Oeste de São Paulo, quando foi convidada para ir à
casa do rapaz. O criminoso pediu para ele compartilhar a localização em tempo
real do Uber.
Chegando no local combinado,
João não encontrou ninguém. Enquanto tentava localizar o endereço correto, dois
homens em uma moto se aproximaram e o abordaram. A vítima achou que os
criminosos carregavam uma arma de brinquedo, por isso reagiu ao assalto.
"Ele subiu na moto e
falou: 'vou te matar e pegar tudo'. Na hora que ele atirou, não sei o que
aconteceu, acho que foi meu anjo da guarda, eu caí no chão um pouco antes dele
atirar. Eu vi ele atirando na minha direção. São cenas e sons que não vão sair
da minha cabeça."
Então, uma moradora apareceu
e começou a gritar, por isso os assaltantes fugiram sem levar nada. A mulher
acolheu João em sua casa e compartilhou que outros casos similares ao dele vem
acontecendo na região.
'Usaram minhas fotos para
aplicar outros golpes'
Outro jovem que caiu no mesmo
golpe no mês de março, teve suas fotos pessoais usadas pelos suspeitos em
aplicativos de relacionamento.
Carlos* conheceu um rapaz
pelo Hornet. Após semanas de conversa eles marcaram um encontro. "Marquei
um encontro, quando cheguei ao local, ele me mandou mensagem dizendo que já ia
descer e nada de aparecer. Nisso, me pediu fotos da rua onde eu estava, mandei
e dois minutos depois apareceu dois caras em uma moto e me assaltaram".
Segundo a vítima, os
suspeitos levaram o celular, documentos e cartões dele. "Acabei pedindo
ajuda para uma moradora, ela me acolheu e chamou um carro para me levar para
casa. Quando cheguei em casa para cancelar minhas coisas, já vi que eles
estavam usando o meu perfil no WhatsApp para marcar encontro com outras pessoas".
Carlos afirma ainda que as imagens dele também foram usadas no Hornet e no Grindr pelos golpistas.
'Me deram um soco na testa e
bateram com a arma na minha barriga'
O que era para ser em
encontro terminou em uma emboscada no Sacomã. Em março, Flávio* conheceu um
rapaz pelo Hornet e, após dias de conversa pelo aplicativo de relacionamento e
pelo WhatsApp, decidiram marcar um date.
Como aconteceu com outras
vítimas ouvidas pelo g1, o suspeito se ofereceu para pagar o Uber, porém Flávio
preferiu pagar pela própria corrida. "Quando eu entrei no carro, ele pediu
para tirar um print do Uber para ele acompanhar a viagem. Eu mandei, e ele
pediu para eu avisá-lo quando faltasse cinco minutos para chegar, para ele
descer e me encontrar no portão da casa dele".
Chegando ao destino, ninguém
espera por Flávio. Foi quando dois homens em uma moto apareceram. Um deles
sacou a arma e pediu para a vítima entregar tudo.
"Eu dei o meu celular.
Eles ainda pegaram meu chinelo, carregador e fone. Queriam que eu desbloqueasse
o meu celular e pediram a senha de tudo o que eu tinha. Eu fiquei tão nervoso
no momento que eu não lembrava a senha. O celular ficou bloqueado [após muitas
tentativas]."
"Durante dez minutos,
eles ficaram falando que iam me matar. Engatilharam a arma, me deram um soco na
testa e bateram com a arma na minha barriga. Por fim, se convenceram a levar o
celular bloqueado mesmo. Me deixaram na rua e saí correndo para pedir
ajuda."
Após alguns minutos, uma
viatura da Polícia Militar apareceu no endereço, porque alguns vizinhos ouviram
o assalto e ligaram para a corporação. A vítima foi levada para o 26° Distrito
Policial do Sacomã, onde o boletim de ocorrência foi registrado.
'Agora tenho medo de
conhecer pessoas novas'
Matheus*, de 26 anos, também
foi assaltado após marcar um encontro no bairro do Sacomã, em maio. Em razão do
trauma, ele já cogitou deixar o país e se mudar para os Estados Unidos.
"Estou com bloqueio em
conhecer pessoas novas, porque sinto que qualquer um pode tirar minha vida a
qualquer momento. Estou passando por terapia". Ao g1, ele relatou que
estava conversando com um rapaz no aplicativo Hornet, quando foi convidado para
sair.
"Ele queria algo mais
intimista, então me convidou para a residência dele. Durante esse papo, ele
pediu meu WhatsApp e começamos a conversar por lá. Até então tudo batia, a foto
de perfil, o nome. Marcamos [o encontro] e fui até o local. Durante esse tempo,
ele me pediu minha live location [localização em tempo real] no WhatsApp e ia
falando comigo todo momento."
Esse comportamento fez com
que a vítima se sentisse segura, já que o suposto crush parecia estar
preocupado com a sua segurança. Chegando ao local, o homem disse ao Matheus que
ele estava na rua errada.
"Ele me pediu para ir
andando até o endereço certo, só que meu celular estava somente com 3% de
bateria. Então fui o mais rápido possível. Chegando na rua informada, ela era
deserta, mas tinha muitas residências. Enquanto procurava o número da casa, fui
abordado por eles, dois homens em uma moto e um deles estava armado. Falaram
para eu me agachar no chão. O rapaz da moto falou: 'dá um tiro nele, vai'.
Então, eu fiquei ainda mais acoado, e eles falaram para eu ficar desse jeito,
enquanto isso eles subiram na moto e foram embora".
A dupla levou o celular da
vítima e alterou a senha do e-mail e do iCloud (sistema de armazenamento em
nuvem da Apple), além de efetuar diversas compras em aplicativos de compras.
Posteriormente, Matheus conseguiu o ressarcimento do dinheiro.
O jovem contou que usa
aplicativos de relacionamentos há oito anos e nunca tinha enfrentando
problemas. Para Matheus, a segurança dessas plataformas é extremamente
vulnerável. “Um dia vi um perfil usando minha foto. Denunciei no Hornet e nada
foi feito. Ou seja, é perigoso tanto para o usuário quanto para alguém que tem
a foto usada", alertou.
O g1 não conseguiu contato
com a Hornet para comentar os episódios. Pelo site da plataforma, a empresa
inclui dicas de segurança para os usuários e um email pelo qual os usuários
podem denunciar casos. No entanto, não possui informações sobre verificação de
perfis na plataforma.
O que diz a Secretaria da
Segurança Pública
"Os casos citados pela
reportagem, assim como outras ocorrências da mesma natureza registradas na
região estão sob investigação no 95º Distrito Policial (Heliópolis), que
instaurou um inquérito policial. A equipe da unidade trabalha para prender os
suspeitos já identificados.
Com relação à morte do jovem
de 24 anos na semana passada, um inquérito está em tramitação pelo Departamento
de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A unidade especializada está ouvindo
familiares e amigos da vítima para coletar informações que auxiliem na
investigação, bem como analisa as denúncias divulgadas nas redes sociais"
*Nomes foram alterados para preservar as identidades das vítimas
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