População feminina que possui ensino superior completo aumentou de 14% para 21,3% nos últimos 10 anos; proporção reduziu em cursos de tecnologia e exatas.


No cenário educacional brasileiro, o protagonismo feminino é evidente, com 60,3% das pessoas que concluíram cursos de graduação em 2022 sendo mulheres. Esse é o maior percentual alcançado em uma análise dos últimos 10 anos. No entanto, a inserção de mulheres nas áreas de Ciências, Exatas e Tecnologia ainda se mostra um desafio.

A Agência Tatu, analisou dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (8), e identificou que mais de 480 mil mulheres celebram suas conquistas com o grau de ensino superior completo, mesmo enfrentando desafios em cursos historicamente dominados por homens, além da rotina com múltiplas tarefas.

De acordo com a doutora em História pela UFPE e especialista em História das Mulheres, Suzana Veiga, é fundamental que as mulheres estejam ocupando esses espaços, considerando que durante séculos as mulheres foram impedidas de acessar à educação básica e superior.

“No Brasil, apenas em 1827 as mulheres puderam ter acesso ao ensino básico, sendo que desde o período colonial os homens, especialmente da classe rica, claro, podiam frequentar escolas. Ou seja, ocupar esse espaço de educação, pesquisa e intelectualização é um passo político em direção à produção de ciência que contemple a experiência e as necessidades das mulheres, é quebrar os silêncios históricos sobre nossas lutas e nossas contribuições para a sociedade”, afirma a professora.

A diversificação da presença feminina em cursos antes predominantemente masculinos reflete um avanço nos padrões educacionais. Todavia, ainda se nota que a maior participação feminina está em cursos relacionados a bem-estar, que abrange as áreas de Serviço social, Gerontologia e Assistência a idosos e a deficientes.

Menos mulheres em cursos de exatas e tecnologia

Apesar de estarem inseridas em áreas de predominância masculina, como os cursos de Ciências físicas, Tecnologias (TIC), Engenharias e Matemática, a proporção de mulheres apresentou certa redução nos últimos 10 anos. De 2012 para 2022, a diminuição de mulheres nessas áreas foi de 23,2% para 22%.

Para a Agência Tatu, a doutora em Educação pela Universidade de Columbia e pesquisadora de feminização do magistério, Marcella Winter, explica que a disparidade nas proporções de mulheres em diferentes áreas acadêmicas reflete padrões sociais e estruturais de gênero.

“Isso também mostra que estereótipos de gênero são persistentes, já que historicamente as mulheres estão associadas a papéis de cuidado. O estigma de que certas disciplinas são mais adequadas para homens também influencia as escolhas educacionais das mulheres, que são ensinadas desde meninas, na escola, em suas casas, pela mídia etc., que algumas áreas ou profissões não são para elas. Essa “feminização” de algumas áreas não só leva mulheres a buscarem ocupações vistas como mais ‘adequadas’, mas também contribuiu para a desvalorização das profissões ocupadas por elas, vistas como de menor valor social”, relata Winter.

Evolução na educação

Entre 2012 e 2022, o nível de instrução da população feminina, com 25 anos ou mais, que possui ensino superior completo aumentou de 14% para 21,3%. Já a proporção de mulheres pretas e pardas concluindo o ensino superior quase dobrou, saindo de 7,7% para 14,7%, na mesma década. Os homens também registraram um aumento, porém em menor proporção, já que o número subiu de 11% em 2012, para 16,8% em 2022.

Com relação à conclusão do ensino médio, que é a porta de entrada para a universidade, a proporção de mulheres que concluíram ou que possuem ensino superior incompleto é de 33,9%, enquanto que a de homens é 34,2%. Em 2012, o percentual feminino era de 28,3% e o masculino de 27,9%.

Nível de instrução da população de 25 anos ou mais, por sexo

Segundo a pesquisadora Marcella Winter, o maior número de mulheres com ensino superior completo em comparação com os homens indica uma evolução positiva em termos de acesso e realização educacional para as mulheres. No entanto, nem sempre representa o mesmo em outras áreas da sociedade.

“A conquista desses espaços é resultado das lutas dos movimentos feministas, de uma crescente conscientização sobre a importância da participação das mulheres na sociedade brasileira e de políticas públicas de promoção da equidade. No entanto, essa conquista de espaço acadêmico não necessariamente se reflete na empregabilidade, nos salários e nas condições de vida das mulheres brasileiras, no geral. Por isso, é crucial continuar monitorando e analisando essas tendências, e interpretá-las com criticidade”, explica Marcella Winter.

Já a professora de História das Mulheres, Suzana Veiga, relata que o dado não significa diretamente um avanço, apesar de ser importante. “Tenho visto como a universidade, através de seus concursos, absorve muito mais homens do que as colegas mulheres, então há realmente avanços? Não. Ainda temos que lutar bravamente por espaço, quebrar tetos de vidro e sermos vítimas de misoginia no mercado de trabalho, já que contratar mulheres pode significar lidar com ciclo menstrual, gravidez e a conciliação do trabalho doméstico e de cuidado que as mulheres precisam lidar junto com o trabalho formal. Então, não vejo tanta evolução assim”, conclui a professora.

Fonte: Agência Tatu.