Segundo
o defensor público Bruno Shimizu, que atuou no caso do STJ, "isso não
significa que a atribuição das guardas tenha sido expandida pelo STF". Ou
seja, a Corte não transformou as guardas em "polícias militares
municipais".
Ao
confirmar que as guardas civis municipais (GCMs) fazem parte do Sistema de
Segurança Pública (Susp), o Plenário do Supremo Tribunal Federal não autorizou
os agentes dessas instituições a fazer abordagens e buscas pessoais, tampouco
entrou em conflito com a decisão paradigma do Superior Tribunal de Justiça
sobre o assunto.
No
último ano, a 6ª Turma do STJ definiu que as guardas não podem exercer
atribuições das polícias civis e militares. Também estipulou que os agentes
municipais não podem abordar e revistar pessoas, a não ser em situações
absolutamente excepcionais, quando tais medidas estiverem diretamente
relacionadas à finalidade da corporação — que, segundo a Constituição, é a
proteção de bens, serviços e instalações do município.
Já
na última sexta-feira (25/8), o Supremo declarou inconstitucionais todas as
interpretações judiciais que não consideram as GCMs como integrantes do Susp.
Segundo o defensor público Bruno Shimizu, que atuou no caso do STJ, "isso
não significa que a atribuição das guardas tenha sido expandida pelo STF".
Ou seja, a Corte não transformou as guardas em "polícias militares
municipais".
O
defensor explica que as atribuições das GCMs não eram objeto da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental debatida pelo Supremo: "O que o STF
diz é que as guardas civis integram o sistema de segurança. Isso não quer dizer
que os guardas possam sair abordando pessoas aleatoriamente pela rua, fazendo
fishing expedition" — uma busca não específica de informações
incriminatórias.
Da
mesma forma, a criminalista Márcia Dinis ressalta: "O reconhecimento de
que as guardas municipais também são órgãos de segurança pública não significa
que possam atuar como policiais". Ela lembra que cada órgão de segurança
pública possui atribuições e responsabilidades próprias. "Corpos de
bombeiros militares e polícias civis, por exemplo, são órgãos de segurança
pública com funções diferentes", aponta.
Já
Shimizu destaca que a Polícia Rodoviária Federal, também prevista como órgão de
segurança pública na Constituição, não pode, por exemplo, fazer diligências em
uma região metropolitana, pois suas funções se restringem ao patrulhamento
ostensivo de rodovias federais. O fato de fazer parte do sistema de segurança
pública não atrai para nenhum órgão as atribuições dos demais. Em resumo, as
GCMs não são polícias.
De
acordo com o defensor, as implicações da decisão do STF dizem mais respeito a
certos benefícios que podem ser estendidos aos guardas, a exemplo de direitos
de progressão em carreira reservados a órgãos do Susp. O fato de integrar esse
sistema também pode autorizar e facilitar o repasse de recursos federais às
corporações.
Por
outro lado, o também criminalista Aury Lopes Jr. vê o entendimento do STF com
certa preocupação. Segundo ele, embora não haja autorização expressa para que
os guardas atuem como policiais, há uma brecha para que isso aconteça no
futuro:
"Se
a Corte reconhece que as guardas municipais fazem parte do sistema público de
segurança, ao lado da Polícia Civil, Federal e Militar, abre-se a porta para a
equiparação de poderes, incluindo a busca pessoal e demais poderes vinculados
aos policiais, na atuação de policiamento preventivo/repressivo",
assinala. A grande repercussão gerada pela decisão pode levar juízes e
tribunais a entender que as GCMs têm o direito de atuar como polícias.
STF
x STJ
Shimizu
diz que o julgamento da ADPF pelo Supremo "não muda em nada" o
acórdão do STJ do último ano, que tratou dos limites de atuação das guardas
civis. Isso porque em nenhum momento o relator do Recurso Especial, ministro
Rogerio Schietti, disse que as GCMs não fazem parte do sistema de segurança
pública.
Pelo
contrário: Schietti reconheceu que as guardas têm uma atribuição específica —
"sui generis", nas palavras do ministro — de segurança. "Da
mesma forma que os guardas municipais não são equiparáveis a policiais, também
não são cidadãos comuns", assinalou ele, na ocasião.
"Se,
por um lado, não podem realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro
lado também não estão plenamente reduzidos à mera condição de 'qualquer do
povo'; são servidores públicos dotados do importante poder-dever de proteger o
patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e
instalações", continuou.
Schietti
apontou que, embora as GCMs não estejam no rol de órgãos de segurança pública
trazido pelo artigo 144 da Constituição, suas funções estão descritas no § 8º
do mesmo dispositivo, inserido dentro do capítulo que trata justamente da
segurança pública. O magistrado apenas fez a ressalva de que tais corporações
"devem se ater aos limites de suas competências".
O
entendimento do STF sequer é novidade. A Corte Constitucional já tinha admitido
a interpretação de que as GCMs fazem parte da segurança pública em diversos
outros casos, como na decisão que definiu a competência da Justiça comum para
julgar greves de guardas municipais celetistas; no acórdão que autorizou o
porte de arma fora do serviço aos guardas de cidades pequenas; e no julgamento
que negou o direito dos guardas à aposentadoria especial por exercício de
atividade de risco.
As
Defensorias e o Ministério Público não participaram como amicus curiae na ADPF
analisada na última semana. Não houve interesse pelo caso, pois o resultado já
era esperado.
Guardas
x polícias
Por
serem autoridades públicas, as guardas municipais podem ter poder de polícia —
um conceito do Direito Administrativo que envolve a possibilidade de restrição
dos direitos dos cidadãos. O mesmo ocorre com um guarda de trânsito que
apreende um carro.
Mas
o poder de polícia não é sinônimo de poder das polícias, que diz respeito ao
monopólio do uso da força pelo ente estatal. As polícias têm essa prerrogativa,
diferentemente das GCMs.
O
constituinte rejeitou todas as propostas de criar polícias municipais. Para
classificar as guardas municipais como polícias, seria preciso desconsiderar a
regra do § 8º do artigo 144 da Constituição.
Assim,
na prática, mesmo com o reconhecimento das GCMs como parte do sistema de
segurança pública, o STJ ainda pode julgar ilegais eventuais ações
policialescas desses órgãos.
A
decisão da 6ª Turma no último ano foi proferida após notícias de cidades em que
as GCMs assumiram o lugar da polícia, especialmente no estado de São Paulo. Em
Holambra (SP), por exemplo, uma lei local alterou o nome da Guarda para Polícia
Municipal.
Há
um processo de militarização das GCMs. Também em 2022, a Guarda Metropolitana
da capital paulista passou a ostentar fuzis e carabinas. Isso também ocorreu em
cidades bem menores, como Arapongas (PR), de 125 mil habitantes.
A
Guarda Municipal de São Caetano do Sul (SP) chegou a montar uma espécie de
Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), que já atuou até fora dos
limites da cidade, com abordagens ostensivas e agressivas.
Já
as atividades da Ronda Ostensiva Municipal (Romu) da GCM de Sorocaba (SP)
precisaram ser suspensas pela Justiça, devido ao uso de tortura de suspeitos
para obter informações sobre traficantes. Quatro agentes foram presos e
condenados.
O
inciso VII do artigo 129 da Constituição trata do controle externo da atividade
policial, feito pelo MP. Mas as guardas municipais não estão inclusas neste
dispositivo. Elas respondem apenas às suas corregedorias internas e ouvidorias.
Assim,
se uma GCM atua como polícia — com rondas ostensivas, invasão de domicílios,
investigações de denúncias anônimas etc. —, não há qualquer controle externo
quanto a eventuais abusos. O MP só pode controlar o que uma Guarda faz se
receber alguma denúncia de abuso, como aconteceu em Sorocaba.
1 Comentários
Resumindo, GCM tem cuidar de prédios públicos.
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