Até
2020, 2,6 milhões de pessoas tinham deixado o Afeganistão.
O Alto-Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), agência vinculada à Organização das
Nações Unidas (ONU), aponta o risco de uma grande crise humanitária de
deslocamento forçado após os talibãs retomarem o poder no Afeganistão. Milhares
de famílias já vinham deixando suas casas desde o início do ano.
"As recentes ondas de
violência e insegurança já deslocaram cerca de 550 mil pessoas apenas neste
ano, sendo 390 mil desde maio. Na ausência de paz e desenvolvimento, mais
pessoas serão forçadas a deixar suas casas e buscar proteção em outros locais
do país ou nos países vizinhos", disse Luiz Fernando Godinho, oficial de
comunicação do Acnur.
O Afeganistão já é,
atualmente, a terceira maior origem de pessoas refugiadas no mundo, atrás
apenas da Síria e da Venezuela. De acordo com a última edição do relatório
anual Tendências Globais do Acnur, publicado no final de 2020, há 2,6 milhões de
pessoas que saíram do país em busca proteção internacional.
Há também um enorme fluxo
interno. Três milhões de famílias foram obrigadas a deixar suas casas: 65% das
pessoas que precisaram se mudar para outras cidades são crianças e jovens.
Retirada
dos Estados Unidos
Os novos deslocamentos
registrados neste ano coincidem com o processo de retirada das tropas dos
Estados Unidos, que ocupavam militarmente o país desde 2001, como resposta aos
ataques terroristas aos edifícios do World Trade Center, em Nova Iorque. A
autoria da ação foi assumida pelo grupo Al Qaeda, que recebia abrigo no
Afeganistão, então governado pelos talibãs.
A decisão de encerrar a
ocupação foi tomada no ano passado: o então presidente Donald Trump fixou o
prazo até maio deste ano. Eleito para a sucessão presidencial, Joe Biden
assumiu o cargo e alterou o cronograma, que seria concluído em setembro, mas
foi antecipado para agosto.
À medida que as forças
norte-americanas deixavam o país, ocorreu um rápido avanço dos talibãs sobre as
mais diversas cidades. A volta ao poder se consolidou no último domingo (15): o
presidente afegão Ashraf Ghani deixou o país e o controle do palácio
presidencial foi assumido pelos rebeldes.
Diante do cenário, os EUA
montaram uma operação para acelerar a conclusão do processo de saída de seus
cidadãos do país. As tropas norte-americanas ainda controlam o aeroporto e
tentam organizar o embarque de diplomatas e cidadãos dos EUA. Ontem (16),
imagens que ganharam repercussão internacional mostraram um cenário de caos no
local, com milhares de civis desesperados para deixar o país, correndo e
tentando se agarrar aos aviões.
Parte da população está
apavorada devido ao histórico dos talibãs, que governaram o país entre 1996 e
2001. Na ocasião, o grupo extremista promoveu execuções de adversários e
aplicou sua interpretação da Sharia, a lei islâmica. Um violento sistema
judicial foi implantado: pessoas acusadas de adultério podiam ser condenadas à
morte e suspeitos de roubo sofriam punições físicas e até mesmo mutilações.
O uso de barba se tornou
obrigatório para os homens e as mulheres não poderiam ser vistas publicamente
desacompanhadas dos maridos. Além disso, elas precisavam vestir a burca,
cobrindo todo o corpo. Televisão, música e cinema foram proibidos e as meninas
não podiam frequentar a escola. Embora venha apresentando um discurso moderado,
há receio de que o Talibã volte a exercer o poder com violência.
Apoio
Diante da possibilidade de
uma crise migratória, o Acnur desenvolve ações específicas para o Afeganistão e
já há uma campanha de doação aberta. Em nota, a agência pede que seja garantido
ao trabalho humanitário livre acesso aos civis e comunidades que estejam em
situação de vulnerabilidade no país.
O texto também cobra a
responsabilidade das nações, para que permitam que as pessoas que fogem da
guerra possam ter acesso aos seus territórios e encontrem proteção.
"Embora os campos de refugiados possam ser usados como uma medida
temporária no caso de grandes massas de refugiados, o Acnur defende a busca por
alternativas mais sustentáveis no longo prazo no que diz respeito à recepção e
à acolhida", registra a nota. O
Acnur também recomenda cautela com processos de deportação de afegãos nesse
momento.
A agência se mantém
exclusivamente com a ajuda financeira de pessoas físicas, governos e empresas
privadas. "Diante da complexidade de crises humanitárias, as doações são
fundamentais para ampliar o alcance e o impacto dos programas do Acnur na vida
de milhares de crianças, homens e mulheres", diz Godinho.
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